Após o interregno necessário para uma reflexão profunda, o
tema para o meu próximo texto foi finalmente definido. O rufar de tambores que
antecede momentos altamente empolgantes e de alguma tensão, tais como este , desta
vez não será utilizado porque o tema é mencionado no título, sim…Será um texto
sobre os meus pés.
A epifania surgiu, quando o meu irmão, um observador nato,
após ouvir da pessoa com quem partilha muito do adn a dizer – este é o terceiro
par de chinelos que me faz uma ferida nos pés... - reagiu com a perspicácia de um - Mano, tens
os pés mesmo feios! – fazendo me imediatamente
ficar melhor da dor, ao perceber a metáfora que ele me quis mostrar e que me
atropelou na forma daquela situação.
Os meus pés são bastante funcionais, mas não correspondem ao
ideal de beleza que tem sido definido e veiculado nos anúncios de cremes para o
corpo. Os dedos não são completamente direitos e alguns, os chamados ” médicos ”,
podem argumentar que tenho um dedo consideravelmente maior que os outros nove. No entanto, os meus
pés têm o nível de fragilidade de um recém nascido. Fico com pequenas lesões
com muita facilidade, a areia da praia faz me confusão, tenho cócegas e faz me
impressão que me toquem nos pés em geral. Há muitas pessoas que se passeiam com
pés de uma beleza convencional e mais consensual, mas que quase nem se lembram
que têm pés, não apresentando nenhum tipo de sensibilidade, mal olham para os pés
e só se lembram deles para comparar com alguém que acham que tem os pés feios.
A metáfora que me parece completamente inequívoca na
observação do meu irmão, é em relação à maneira como nos relacionamos com beleza, quando a vivemos de uma perspectiva
quase competitiva. Sabendo que será redutor para alguns, em ambos os lados do
exemplo, é necessária a generalização para explicar o ponto de vista.
Os que têm uma beleza
menos óbvia acabam por senti-la com mais intensidade, ou na procura de se aproximarem
mais dos estereótipos de beleza, pensando comparativamente e avaliando
demoradamente as nuances das suas imperfeições. Idealizando a beleza a que aspiram, delimitando
os pormenores dessa espetacularidade e valorizando intensamente cada conquista/melhoria nesse campo. Derradeiramente acabam por se definir pela aproximação do tal
aspeto, muitas vezes esquecendo que a verdadeira beleza é o lado individual da
que cada um possui. Vivendo no elogio alheio uma experiência marcante em que
tiveram um gosto dessa vida a que aspiram.
Neste contexto competitivo ,antagonicamente vivem aqueles
cuja beleza é alvo da inveja, todavia para os próprios, essa mesma “beleza” torna
se banal. Um elogio a essa beleza é uma constatação óbvia e algo que já foi tão
repetido que é necessário um insulto para chamar a atenção de alguns destes
seres. A beleza não é um deleite para os que a vivem na primeira pessoa, não ficam
a analisar com detalhe esse esplendor. Lembram-se dela quando comparados aos que
não a possuem e quando começam a ter medo de estar a perde-la, antes dessa fase
tornam-se insensíveis à sua beleza unanime. Da mesma forma que alguém que tem
as duas pernas não fica radiante por ter as duas pernas até ver alguém que não tem esse privilégio ou
quando está na iminência de ele próprio deixar de tê-las a funcionar
corretamente.
Tornando se a beleza algo que quando vivida segundo as coordenadas
dos outras é dolorosa ou indiferente, a grande moral desta história é
personificares a alternativa de viveres a tua beleza. Aceitares o belo que há
naquilo que és e celebrares a beleza que há no mundo evitando medires te por aí
é a forma de conciliar beleza e bem estar.
Por tudo isto, sumariando o acima descrito e citando a
resposta que dei ao meu irmão – Cala-te!
Os meus pés são lindos – Aproveitem, os melhores cumprimentos para os vários
milhões que congregaram atenções neste texto.